quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

CAPÍTULO 3 : Félix Manuel de Azara e a NOVA ORDEM : MARSUPIALIA


Retrato de Félix de Azara pintado por Goya
Félix Manuel de Azara nasceu em Barbuñales, Província de Huesca, Espanha, em 18 de maio de 1742, e morreu em Huesca, em 20 de outubro de 1821, foi um militar, engenheiro, explorador, cartógrafo, antropólogo, humanista e naturalista espanhol.

Foi enviado à América do Sul pelo rei Carlos III em 1781 para, juntamente com uma comissão bilateral, dar forma aos limites hispano-portugueses no Novo Mundo, contendo o contrabando e legitimando os tratados de limites entre as duas coroas. Ali, enquanto aguardava a chegada da delegação portuguesa que com ele deveria dar andamento às atividades de delimitação, por doze anos escreveu sobre os recursos, geografia, fauna, flora e hábitos humanos do novo continente.

Pela sua curiosidade intelectual, mesmo sem a formação técnica necessária, tornou-se o primeiro naturalista a descrever o Paraguai, e o grande mentor da colonização da Banda Oriental do Uruguai, ao lado de seu auxiliar Artigas, hoje reconhecido como patriarca da nacionalidade uruguaia.
Tendo a vantagem de ter estudado os animais do novo continente em seu habitat natural, descreveu conceitos que desmistificaram teses de grandes naturalistas como o conde de Buffon. Em 1801, retorna à Europa, onde graças à influência do seu irmão, embaixador Nicolás de Azara, seus livros já haviam sido publicados, obrigando a ciência européia a rever seus conceitos. Pouco mais de meio século depois, Charles Darwin citaria diversas vezes, as pesquisas de Azara tanto em "A Viagem do Beagle" como em "A origem das espécies".
O próprio Napoleão Bonaparte apresentou Azara no Museu de História Natural, a instituição mais relevante da época, de onde conquistou o mundo científico de então. Publicou em francês, espanhol, e teve livros traduzidos para o inglês e o alemão.
É considerado com justiça como um precursor do evolucionismo e do humanismo, tendo defendido o tratamento humanitário aos indígenas americanos em seus escritos.   Wikipedia
 
 

Entre as suas obras podemos destacar:
Essais sur l'histoire naturelle des quadrupèdes de la province du Paraguay (1801), 
Apuntamientos para la Historia Natural de los Quadrúpedos del Paraguay y Río de la Plata (1802) e 
- Voyage dans l'Amerique meridionale depuis 1781 jusqu'en 1801 (1809).  
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"A História Taxonômica do Gênero Monodelphis"  pode ser dividida em  2 fases distintas,  a fase 1 foi analisada nas publicações anteriores.
A FASE 2 tem início em 1801 com a publicação do livro de Félix Azara sobre a fauna do Paraguai, e continuada na sua versão parcial, publicada em 1802 (em espanhol), ambas citadas logo acima. Nesses livros ele apresentou um conjunto de seis mamíferos do Paraguai, os quais ele denominou como MICOURÉS :
                                                CONJUNTO DE AZARA                                                                                                 CONJUNTO DE SEBA

Segundo Illiger (1815:112), Didelphis dorsigera é uma mistura de espécies já conhecidas. Concordo plenamente, a fig. 4, Tab 31 de Seba (ref. para D. dorsigera) é Micoureus.

Depois dessas duas publicações de Azara, ficou suficientemente claro o que era o gênero Didelphis, essa visão de conjunto forneceu um parâmetro de comparação com a fauna das Guianas, com o conjunto de Seba. O próprio Azara comparou detalhadamente seus resultados com aqueles de Seba e também com outros autores como Buffon e Marcgrave, todos eles pioneiros no estudo das faunas da América. Isso faz ainda mais sentido, se observarmos que os binômios latinos atribuidos a esses animais são simples traduções dos nomes de Azara. Olfers em 1818 criou alguns nomes para os micourés de Azara como: Didelphys brevicaudis (=Monodelphis brevicaudis)D. lanata e D. macrura, todos eles válidos, e outros não válidos como D. crassicaudis e D. nana. O Didelphis crassicaudata (=Lutreolina crassicaudata) e Didelphis pusilla (=Thylamys pusillus) ambos de Desmarest, 1804 e válidos, também foram baseados em Azara. Didelphis azarae de Temminck 1824, foi uma homegem direta ao célebre naturalista, e por longo tempo foi o nome mais usado para denominar "Le Micouré Premier" de Azara. Hoje, Didelphis azarae de Temminck é considerada como um sinônimo junior de D. aurita. O conhecimento floro-faunístico caminhava cada vez mais para o sul do nosso continente, ampliando horizontes e trazendo novos questionamentos e respostas.  A Nova Ordo: Marsupialia
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Em 1801, Félix de Azara visitou o Museu de História Natural de Paris, apresentado pelo próprio Napoleão Bonaparte, onde conheceu o igualmente célebre naturalista Georges Cuvier. Ali ele reconheceu o seu COLICORTO (o "Micouré de cauda curta", citado logo acima) entre os exemplares de "LE TOUAN" de Buffon, provenientes da Guiana, ou seja, a forma tricolor de M. brevicaudata de Erxleben. Na verdade ele estava errado, a semelhnça existente entre a sua espécie de "Micouré" do Paraguai ¹ e a espécie de Buffon era tanta, que o levou a acreditar que eram idênticas, ou quase. Isso criou boas e más associações. Por um lado, ficou claro que le Touan não era um mustelídeo, mas sim um micouré, um Didelphis na época. Mas por outro lado criou a falsa noção de que o "micouré de cauda curta" tinha ampla distribuição. Porém, essa confusão se perpetuou até os nossos dias, L. H. Emmons (1990: 27), ainda acreditava que M. brevicaudata se distribuia até o Paraguai.
(¹) perto de San Ignacio Guazú, Misiones. Desm.,1827. Em 1802 :258, Azara detalhou:sob os paralelos 27° 34' (o extremo sul do Paraguai). 

"O quinto Micouré, ou  aquele com cauda curta, que concordava exatamente com o Touan;
exceto que a barriga, em vez de ser muito branca, era de um amarelo esbranquiçado" Griffith, In Cuvier 1827

Certamente influenciado por Azara, em 1803, Geoffroy Saint-Hilaire criou Didelphis tricolor, um novo nome para D. brachyura de Pallas, que ele considerou como uma espécie diferente de D. brachyura de Schreber. Ele também reconheceu o TOUAN de Buffon como um sinônimo da sua Didelphis tricolor, transferindo a espécie de Buffon do gênero das doninhas, para o gênero Didelphis. As conclusões que a comparação dos conjuntos dos "micourés" de Azara com os de Seba originaram, mudaram totalmente a visão de conjunto que se formava em torno desses "PHILANDERS". Tanto isso é verdadeiro, que nessa mesma publicação de 1803, Geoffroy Saint-Hilaire coloca o gênero Didelphis de Linnaeus numa ordem separada, PÉDIMANES, que incluía outros gêneros de marsupiais, antes colocados dentro de Didelphis. Genre XL Dasyurus, e Genre XLI Phalangista. Começando assim o desmembramento do gênero Didelphis. No entanto, os cangurus foram colocados junto com os roedores na Ordem VI RONGEURS. Porém, fora do gênero Didelphis de Linnaeus.

Podemos assumir com tranquilidade que o início da FASE 2 foi marcado pelo desmembramento do gênero DIDELPHIS de Linnaeus, e não tardou até que Burnett,1830:351 criasse (ainda que com uma interrogação): Monodelphis?. Uma referência à ausência de um marsupium.

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Félix de Azara (1802:261) nos presenteia com mais uma importante contribuição para o conhecimento dos MICOURÉS DE CAUDA CURTA.
Em "Apuntamientos para la Historia Natural de los Quadrúpedos del Paraguay y Río de la Plata", citando Buffon no Tomo XXX. página 213:

"Describe mi Autor á la Musaraña del Brasil copiando á Marcgrave. Se reduce lo que dice, á que es larga casi 5 pulgadas, sin la cola que no llega á 2: á que el hocico es puntiagudo, y los dientes muy agudos: y á que tiene baxo de la cola el escroto con los testículos que cuelgan entre las piernas. Todos estos caractéres son á mi ver muy claros de Colicorto, y de ningún modo de Musaraña, ni de cosa que se le parezca. Sin embargo, Buffon le cree tal, fundándose en que no le comen los Gatos comunes; lo que también es de Colicorto. Pues aunque añade que se parece mas que á otro á la Musaraña, no dice en qué, ni puede ser sino un Fecundo, acreditándolo -

p. 262 
los testículos pendientes y la dentadura. La dificultad está, en que le viste de pardo, con tres tiras negras bastante anchas de la cabeza á la cola; en lo que no dudo hay equivocación, por no convenir á la familia semejantes tiras. Tal vez habla de algun individuo á quien hubiesen trasquilado las puntitas blanquizcas en tres tiras, como suelen hacerlo para disfrazar los quadrúpedos y páxaros".

Essas observações de Félix de Azara certamente influenciaram duplamente Illiger, (1815: 112), que assim como Geoffroy (1803: 144), associou o "Tuan" (de Buffon), com Didelphis brachyura (de Pallas), além de afirmar que: "a brasileira [Didelphis] Tristriata é uma espécie interessante, porque foi colocada com os musaranhos sob o nome Sorex Brasiliensis (de Erxleben, =Samericanus de Müller), após um comunicado inadequado do normalmente estimado Marcgrave. Mas tem todas as características de um verdadeiro marsupial". Sem dúvida, esse foi um passo importantíssimo no reconhecimento das espécies de Monodelphis. A grande experiência de Azara como naturalista, superou a genialidade do Ilustríssimo.

Porém, antes disso em 1811, Illiger havia criado o táxon Marsupialia, como uma familia da Ordo Pollicata, que incluía os Primatas. Essa familia era constituida pelos gêneros Didelphis, Chironectes, Thylacis, Dasyurus, Amblotis, Balantia, Phalangista e Phascolomys. Mas, assim como Geoffroy, manteve os cangurus num grupo separado: na Ordo Salientia. Mais uma vez, vemos aqui uma associação entre duas ações independentes de Azara, e duas respostas no mesmo sentido, de Geoffroy e Illiger desmembrando Didelphis e criando a Ordo dos cangurus.

Em 1816, George Cuvier coloca todos os marsupiais dentro da ORDRE Marsupiaux. Incluindo também os cangurus, e seguindo Félix M. de Azara, tratou Le Touan como Didelphis brachyuraMas, ignorou Didelphis tricolor de Geoffroy,  e não citou  Didelphis tristriata de Illiger.   Link 1   Link 2
 
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Monodelphis brevicaudis foi a terceira espécie desse gênero a ser descoberta, ela foi descrita por Félix Manuel de Azara em sua publicação de 1801: 295 (em francês) como Micouré cinquième, ou micouré à queue courte em "Ensaios sobre a História Natural dos Quadrúpedes da Província do Paraguai". Veja logo abaixo, e também neste LINK.
 
(295)
QUINTO MICOURÉ, OU MICOURÉ DE CAUDA CURTA.

Embora o vulgo chame o quinto  Micourè (e o sexto Micourè), de Angouya (Rato); como não é um rato, dei-lhe um nome que alude à brevidade de sua cauda.
Meu amigo Noséda me enviou a descrição dele na qual classifiquei as idéias, retirando as coisas insignificantes, e apresentei ali as informações que ele me comunicou em várias cartas; e, finalmente, a retifiquei inteiramente sobre um indivíduo que esse amigo mantinha em uma gaiola, alimentando-o com carne, porque ele não queria comer laranjas.
Nos primeiros dias de dezembro (no meio de "frimaire"), os jovens lhe trouxeram 

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um macho, que escapou da gaiola onde ele havia sido colocado e entrou em buracos que os ratos haviam feito na cozinha. Mas estes, depois de oito horas, o expulsaram e, formando uma pequena tropa, eles o perseguiram obstinadamente e o forçaram a fugir, gritando chi, chi, repetido várias vezes. A esse barulho do Micouré, eles correram e o colocaram de volta na gaiola, onde ele morreu no mesmo mês de dezembro (no início de "nivôse").
Quando ele recebeu ratos bebês, ele os matou; certa vez, pressionado pela fome, arrancou as tripas de um desses animais e as comeu, deixando o resto. Ainda que, quando a necessidade o atormentou, eles lhe mostraram carne a uma certa distância, ele manifestou um desejo violento, pulou, gritando e ficou muito zangado quando recebeu apenas pequenas quantidades. Ele comeu muito pouco e logo esfregou o focinho com as patas da frente. Ele bebeu repetindo as lambidas às pressas e dormiu com o corpo e as quatro pernas estendidas. Ele era muito gentil, embora fosse menos no princípio; mas se estivesse irritado, espalhava um odor ruim, embora fraco.

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Comprimento, 8 polegadas e meia (23 centímetros).
A cauda, ​​2,5 polegadas(6 centímetros 3 quartos), grossa, prênsil e nua, exceto num intervalo de 5 linhas (1 centímetro e 1 terço) na raiz.
Altura anterior, 2,5 polegadas (6 centímetros 3 quartos); poaterior, 2 polegadas 3 quartos(7 centímetros e meio).
Circunferência anterior, 3,5 polegadas (9,5 cm); e na barriga, 3 polegadas e 1 quarto (8 cm e 3 quartos).
Do focinho a orelha, ele tem 17 linhas (3,5 cm). Esta que tem 4 linhas de altura (1 cm) e de largura 9 linhas (2 cm), nua, mais pontuda e menor que em outros micourés.
Na mandíbula superior, existem dois incisivos no meio; e após um intervalo, vemos quatro outros incisivos de cada lado; um novo espaço aparece novamente e, em seguida, um canino de 5 linhas (7 mm). Depois deste canino, existem dois intervalos que se separam; Num, um canino e o no outro, quatro molares.
No maxilar inferior, há oito incisivos nas laterais, deixando um vazio no meio; 

(298) 
e depois de outro vazio, há um canino igual ao de cima. Um intervalo segue imediatamente depois, depois vem um canino pequeno, depois um novo intervalo; depois outro canino; imediatamente depois, um novo vácuo e, finalmente, cinco molares [ isso mostra que o terceiro pré-molar, molariforme, ainda não havia caído, e portanto era um animal jovem ].
Os quatro pés são os do gênero.
O escroto muito pendurado; é coberto com um pelo curto e esbranquiçado na pele escura.
O corpo é mais plano, robusto e mais delgado que em outros micourés.
Os pêlos de todo o corpo são curtos e macios, como os dos ratos jovens. Em um espaço muito pequeno acima do olho e abaixo deste órgão, em todo o lado da cabeça e no lado do animal até a cauda, ​​a pelagem é de um canela vivo: é a mesma coisa em toda a parte inferior, onde a nuance é, no entanto, um pouco mais leve. No focinho, é marrom; e em todo o resto, marron-chumbo (marron-acinzentado); ou melhor, é uma mistura, porque alguns pelos têm a ponta esbranquiçada que podemos ver entre os outros.
O 13 de dezembro (o final de Frimaire), me trouxe o meu amigo Casal com 

(299) 
catorze filhotes, mortos ou morrendo, devido aos maus tratos que sofreram, tanto quando capturados como depois. No entanto, os dois mais fortes haviam tomado as tetas quando foram aproximados; mas com a mãe correndo, sua pouca força não lhes permitiu permanecer apegados a ela e eles morreram no terceiro dia. Parece que fazia oito dias que eles nasceram, segundo relatos daqueles que perseguiram a mãe na época, sem poder levá-la. Eles também garantiram que, quando a mãe estava correndo, os pequenos estavam pendurados, sem largar as tetas.
Quando meu amigo os viu, estavam sem pêlos, cegos, e mediam uma polegada e meia de comprimento, sem a cauda que tinha quatro linhas (1 centímetro). A mãe foi encontrada em um pajonal (pastagem) adjacente à um bosque; e como ela estava em seu buraco subterrâneo, eles o inundaram com água e a forçaram a sair e correr com seus pequeninos colados e pendurados como quando ela estava lá. tinha entrado, porque ela nunca os abandona.
Ela não tinha bolsa; mas, debaixo do ventre, vimos uma tetina volumosa que era mais visível por trás; e nós encontramos lá 

(300)
catorze tetas tão pequenas que mal se podia contá-las.
Alguns dias após a perda de seus filhotes, o leite secou e já precisávamos de uma lupa para ver e contar os úberes. Nela nunca se detectou o mau cheiro que tinha o macho.
Seu comprimento era de 6 polegadas e 4 quintos (18 cm; e 1 terço) e o de sua cauda, ​​2 polegadas (5 cm e meio).
O canela-vivo do macho é visto apenas nas laterais do corpo; a tonalidade é de cor amarronzada, porque se funde com o pelo cinza-chumbo do dorso. As partes inferiores são canela-esbranquiçado, ou melhor, um baio-canela. 
Na página (259) eu disse que me pareceu que as duas primeiras frases de Brisson eram adequadas para esse animal, e não ao Primeiro Micouré, ao qual Buffon as aplica, que descreve um animal (a) chamado Marmose, porque é chamado assim no Brasil, diz ele; Duvido muito, porque esse som não é brasileiro e não é conhecido aqui no Paraguai.
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(a) Tradução, t.12, p.181. - Original, t.4, p.278. T.10, p.335, ed. in-4-°

(301)
Ele diz que é o Mus silvestris Americanus Scalopès dictus de Seba; mas se ele é ou não o Scalopes, o resto da frase é muito equivocado. A frase de Brisson: Philander satúrate spadiceus ín dorso, in ventre dilate flavas, pedibus albicantibus, se encaixa muito bem com o Micouré de Cauda Curta. A indicação de Linnaeus: Murina. Didelphis cauda semi pilosa mammis senis, não se adequa a mais nada como ao Micouré de Cauda Grossa (a); portanto, Buffon o critica bem, porque não deve ignorar que a Mucura que tem uma bolsa e que é meu Primeiro Micouré é diferente do Murino, que é meu Micouré de Cauda Grossa e que não tem bolsa. Buffon diz que, no texto, contava quatorze úberes na fêmea, embora ela tivesse apenas dez filhotes, porque, sem dúvida, os outros já haviam morrido antes (b).    Ele lhes dá
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(a) Veja a sinonímia do Quarto Micouré.
(b) Aqui está o texto de Buffon:
“Vimos dez pequenas marmosas, cada uma presa a um mamilo, e ainda havia quatro mamilos vazios no ventre da mãe, então ela tinha quatorze tetas no total.” [Nota do tradutor]

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ao nascer, o tamanho de feijões pequenos, e acrescenta que a mãe não tinha uma bolsa. Tudo se ajusta bem com o Micouré de Cauda Curta, como escavar tocas de coelho e ter a cauda toda nua, exceto em relação à sua origem. Ele dá a ela - dobras longitudinais entre as coxas, as quais Noséda não menciona; e acredito que ela não as possui, e que Buffon as tirou do Micouré de Cauda Grossa, para aplicá-los à Marmose ou ao Micouré de Cauda Curta. O resto do que ele relata é inútil, exceto para nos mostrar que a Marmose caça, suspensa pela cauda, ​​e que também pesca com a cauda.
Quanto à plancha 164 (a), que ele dá como a do macho, ela não serve para indicar o Micouré de Cauda Curta, porque, embora ele lhe dê uma cauda que só tem pêlos na origem, ele a amplia excessivamente, aumenta, faz as orelhas caírem, alonga e eleva as pernas.
A prancha 165 (b) da fêmea não possui as dobras longitudinais de que Buffon fala e 
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(a) Prancha 52.e,  t.10, p.348, edit. in-4-° 
(b) Prancha 53.e,  t.10, p.348, edit. in-4-° 

(303)
o resto também não é um Micouré de Cauda Curta.  Então Buffon (a) faz uma adição ao Micouré de Cauda Curta, na qual ele começa dizendo que as Sarigoueyas, as Marmoses e os Cayopolins carregam seus filhotes na bolsa, mas não é assim, já que apenas o Sarigue tem essa bolsa. Então ele nos copia as observações sobre o feto, a parte, etc. da Marmose que Dom Joseph Clavijo não tentou traduzir, e ele fez muito bem, porque na minha opinião, estas são afirmações de que o Sr. Roume de Saint-Laurent arriscou muito levemente.
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(a) Original, t.11, p.25.-Supplément, t.6, p.243, édit, in-4-° 

Observação: Dom Joseph Clavijo y Faxardo traduziu a Historia Natural General y Particular, do Conde de Buffon, para o espanhol e quanto ao Sr. Roume de Saint-Laurent, da ilha de Granada, ele escreveu a Buffon relatando sobre fêmeas de manicou (a marmose).
 
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Um ano depois, Azara (1802: 258) descreveu em espanhol, essa mesma espécie, como "El Colicorto". Porém, esta só foi nomeada como Didelphys brevicaudis por Olfers, em 1818: 205, que é seu nome válido oficial. Sua história taxonômica é tão ou até mais complicada que a de M. brevicaudata, na verdade as histórias taxonômicas dessas duas espécies se entrelaçaram.

258                                                                                                          NÚM.  XXVI.                                         
DEL  COLICORTO

"Eu o chamo assim pela brevidade de sua cauda comparada aos demais e desprezo o nome Anguyá (rato) dado pelos Guaranís. Eu só tive dois machos, capturados no campo sob os paralelos de 27° 34' (o extremo sul do Paraguai). Ao meu amigo Noséda lhe levaram outro, que ele colocou numa gaiola e tendo escapado, se introduziu nos buracos dos ratos comuns; os quais se juntaram e o expulsaram, e o perseguiram, forçando-o a fugir gritando repetidamente ché, ché. Noséda ouvindo esse som o capturou, levando-o de volta à gaiola, onde morreu um mês depois. Comia pouco, e depois esfregava o focinho muito rapidamente com as mãos. Meu amigo o alimentava com carne crua, e ele se divertia mostrando-a de longe, pois isso lhe dava muito desgosto, e pulava gritando para pegá-la. Um dia ele deu a ele um ratinho, e matando-o imediatamente, ele comeu lhe as tripas deixando o resto.

259
Ele bebia a linguadas apressadas e em alguns dias já estava muito manso; mas quando o irritavam, ele soltava um cheiro ruim, embora não forte. Comprimento 6 3/4 polegadas: cauda 2 1/4, muito grossa e nua, com menos de 3 linhas na base. Circunferência no peito 3 1/2 e na barriga 4. Altura da orelha 4 linhas, e largura 6, nua, mais reta e menor que a dos demais. O corpo mais achatado, robusto e atarracado que todos os outros, e o escroto bem pendurado, escuro com penugem esbranquiçada e curta. O macho que descreveu Noséda tinha 8 1/2 polegadas de comprimento e as outras medidas em proporção. Toda pelagem curta e macia como a do camundongo. Debaixo do olho e muito pouco por cima, todo o lado da cabeça e do animal até a cauda, ​​são de canela viva; e algo mais claro na parte inferior do corpo. Sobre o focinho é marrom; e todo o resto marrom acinzentado, ou melhor, uma mescla, porque alguns pelos têm pontas esbranquiçadas, que se percebem entre os outros. Além das informações citadas daquele que ele teve na gaiola, Noséda me disse o seguinte.

260
Em 3 de dezembro me trouxeram uma fêmea com 14 filhotes, mortos ou moribundos pelos maus tratamentos que lhes deram ao coletá-los e depois. No entanto, aproximando-os, pegaram os peitos os dois mais encorajados, com a mãe correndo, não puderam se sustentar por suas poucas forças, morrendo no terceiro dia. Havia cerca de oito que nasceram, de acordo com aqueles que perseguiram  naquele momento a mãe sem poder capturá-la; e advertiram que as crias se arrastavam pelo chão quando a mãe correu sem se separar das tetas. Quando os vi, estavam nus, cegos e mediam 1 1/2 polegadas, sem a cauda 4 linhas. Eles encontraram a mãe em uma pastagem de campo; e quando ela entrou em sua toca subterrânea, eles a inundaram com água, forçando-a a sair e correr com as crias arrastando, como quando foi introduzida, porque nunca os deixa. Não tem bolsa; mas o úbere inchado é visto entre as pernas, e avança muito pouco até a barriga; e ali estão as 14 tetas, tão pequenas, que apenas podem ser numeradas. O leite secou depois de alguns dias de mortas

261
as crias, e uma lupa era necessária para se ver as tetas. Eu não notei o mesmo cheiro como no macho. Seu comprimento de 6 4/5 polegadas: cauda 2. A canela viva do macho só podia ser vista nos lados da cabeça e pescoço porque nos lados do corpo pardeava por estar fundida com o acinzentado do dorso. As partes inferiores eram baias acaneladas ou acaneladas esbranquiçadas".
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Essas catitas de cauda curta eram inicialmente pensadas como sendo uma das espécies do variado gênero Didelphis de Linnaeus, antes de serem reconhecidas como um gênero separado: Monodelphis. Por isso foram insistentemente tratadas como "o Didelphis de cauda curta", até que o preconceito se dissolvesse num mar de erros e enganos intermináveis.

Vários outros autores referem-se posteriormente ao animal descrito por Azara. Desmarest (1820: 260) e Temminck (1827: 52) em Didelphis tricolor (Geoffroy). Gray (1827: 190) em D. brachyura (Pallas), "Inhabits Cayena and Paraguai". Lesson (1827: 212) coloca-o em Didelphis tricolor (Geoffroy), "Micouré cinquieme d'Azara". Lund (1839: 237; 1840: 63; 1841: 236 e 1842: 135) citando D. tricolor (Geoffroy) ou D. brachyura (Pallas) refere-se ao Colicorto de Azara. Wagner (1855: 256) no D. tricolor (Geoffroy) cita o animal de Azara e a localidade "Paraguay". Burmeister (1854: 141) em Didelphys brachyura (Schreber ), relaciona-o ao Colicorto.

Como podemos constatar através dessa lista de citações, o "micouré de cauda curta" de Azara foi integrado à sinonímia de Didelphis tricolor de Geoffroy, que por sua vez, foi  criada para substituir D. brachyura de Pallas, considerada como o nome válido de Le Touan, e diferente de D. brachyura de Schreber. Porém, como vimos logo acima, Cuvier não adotou D. tricolor, em prol da espécie única, espalhada: D. brachyura.

A associação entre Didelphis tricolor e o "Colicorto de Azara", Monodelphis brevicaudis, Olfers, 1818, teve a sua continuidade com Monodelphis tricolor paulensis de Vieira (1950: 359) e (1955: 350); e com M. (Monodelphis) touan paulensis de Cabrera (1958: 9).


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EL  COLICORTO,  Monodelphis brevicaudis Olfers, 1818. foto: Antonio Wuo
 
Reinhold Hensel (1872: 122) em Beiträge zur kenntniss der säugethiere Süd-Brasiliens, (na descrição de M. sorex) cita e descreve uma outra espécie, a qual não atribui nenhuma denominação específica:

Adicionalmente aos exemplares grandes de Microdelphys (= Monodelphis), que eu consultei de M. brachyura (= dimidiata), e os pequenos sobre os quais eu vou criar a nova espécie, eu coletei também, aqueles que no tamanho, estão entre as duas outras espécies, no meio, mas que não diferem dos outros dois, por caracteres externosuma referência ao material que Thomas usou (em 1888) para descrever M. henseli, homenageando Hensel ), Existem 2 machos e 2 fêmeas em álcool. Todos estão totalmente crescidos ou pelo menos, tem os dentes substituídos. Então não podemos pensar em espécimes jovens de M. brachyura (= dimidiata). Em 2 indivíduos, um macho e uma fêmea, medem a cabeça e o corpo 108 milímetros  e a cauda é de 55 mm. Um macho, apanhado no meio de outubro, mostrou a seguinte coloração: O topo da cabeça e a parte de trás até a zona do sacro, são cinzento-amarelados, isto é, a lanugem é cinzenta na base, amarelada na parte superior, entremeados por curtas aristas negras, que pouco ou nada se estendem além da pelagem. Após o término da parte de trás, a lanugem da base é mais castanho avermelhado. As mandíbulas e área em torno das orelhas, que não se projetam para além da pele, e atrás delas são marrom canela. A garganta, entre as pernas dianteiras, mais brilhante, a barriga propriamente é mais cinza, com uma coloração amarelada muito fraca. A área entre as pernas traseiras, a bolsa escrotal e o ânus, é tão brilhante como a garganta, marrom canela, o pequeno escroto peludo é enegrecido. A cauda é coberta com pelos finos, que parece quase nua, apenas cerca de 4 a 5 mm. a base é mais peluda. Assim como M. brachyura (= dimidiata), na coloração  M. sorex é bastante cinza, mas não parece haver nesses exemplares médios mais conformidade com o tipo. Só uma continuação das pesquisas poderá oferecer informações, por isso me abstenho de qualquer julgamento sobre a independência de uma nova espécie. (Esses exemplares são referentes a M. henseli de Thomas, veja a descrição abaixo, ou mais propriamente "a nomeação").

Oldfield Thomas (1888a: 159) descreveu  Didelphys (Peramys) henseli  baseado em cinco exemplares coletados em  Taquara, Rio Grande do Sul :
"Tamanho intermediário entre o de D. brevicaudata e os grupos D. sorex e Iheringi. Cor cinza escuro grisalho ao longo de toda a superfície superior, ruivo profundo nas laterais e na barriga. Orelhas pequenas, atingindo quando caídas apenas a metade da distância na direção do olho. Mamas cerca de vinte e cinco em número, cinco centrais e cerca de dez pares laterais. Dimensões do tipo (fêmea adulta, em meio líquido): - Cabeça e corpo 106 milim.; cauda 62 (com a ponta extrema imperfeita); pé 15,5; o crânio, mede 27; os três molares superiores anteriores 4,4.
Habitat. Rio Grande do Sul (Dr. H. von Ihering). Esta é sem dúvida a espécie intermediária descrita porém não nomeada por Hensel*, e eu a nomeio, portanto, por sugestão do Dr. von Ihering, em homenagem a esse eminente mastozoólogo".
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Pouco tempo depois, Thomas (1888b: 360) redescreveu essa espécie, e as características por ele apresentadas não deixam dúvidas quanto a sua correspondência com o Colicorto de Azara (Monodelphis brevicaudis).
 

Em 1888b, no Catalogue of the Marsupialia and Monotremata in the collection of the British Museum (Natural History), Thomas apresenta o gênero Didelphis dividido em 5 subgêneros: Didelphis, Metachirus, Philander, Micoureus e Peramys (=Monodelphis). Esse trabalho é considerado como a primeira revisão do gênero Monodelphis, na verdade Thomas estava revisando conjuntamente todos os marsupiais conhecidos na época.

Porém, em 1897, Thomas descreveu Peramys adustus a décima espécie válida do gênero Monodelphis, e a primeira da região andina, tratando Peramys como gênero, e não mais como um subgênero de Didelphis, como fez em 1888.

Em 1899, Thomas criou Peramys brevicaudatus orinoci introduzindo a ideia de variação geográfica na análise das espécies de Monodelphis, em função do aumento da amostragem. O gênero Monodelphis de Burnett ficou ignorado, por praticamente um século, desde a sua criação em 1830.

A família Didelphidae, foi criada por Gray, 1821, e incluia todos os marsupiais americanos conhecidos na época, com apenas 2 gêneros Didelphis ("o saco de gatos") e Chironectes ("o diferente", aquático). Como sempre, a indestrutível visão GRADISTA, que separa o diferente e reune os "iguais". Porém, o desmembramento da família Didelphidae se extendeu por todo século XIX.

Tratado em inglês como "The Southern Red-Sided Opossum", o Colicorto de Azara continuou a ser associado à Monodelphis brevicaudata e na tentativa de resolver essa antiga confusão, Ronald Pine & Handley, Jr. (1984: 242 e 2008:102) criaram uma outra maior ainda, chamando-a erroneamente de M. sorex. Eu procurei deixar claro na minha Revisão de Monodelphis de 1991, que M. sorex era um sinônimo junior de M. dimidiata. Mas o incauto Robert Voss em 2009 criou uma comissão, que reafirmou o erro de Pine e Handley, numa tentativa de rejeitar o nome M. brevicaudis, que foi assim tratado e reconhecido por Hershkovitz (1959: 344) e usado por mim em 1991 na minha Revisão de Monodelphis e por Barbara Brown (2004:107). Eu deixo claro que o nome de Félix Azara deve ficar associado a essa espécie, por uma questão histórica e legítima. Uma marca histórica importante, que se perpetuará nessa semelhança de nomes.


Literatura citada

Azara, F. de, 1801. Essais sur l’histoire naturelle quadrupedes de la province du Paraguay avec une appendice sur quelques Reptiles. Paris. p.295.

Azara, F. de, 1802, Apuntamientos para la Historia de los Quadrúpedos del Paraguay y de La Plata. Madrid. v.1, p. 258-261.
 
Cuvier, G. 1817. Le règne animal distribué d’après son organisation, pour servir de base à l’histoire naturelle des animaux et d’introduction à l’anatomie comparée. Paris: Deterville, 1:xxxviii+540 pp.  LINK

Desmarest, A. G. 1804 - Tableau Méthodique des Mammifères in Nouveau Dictionnaire d´Histoire Naturelle, Appliquée aux Arts, Principalement à l`Agriculture, à l`Économie Rurale et Domestique: Par une Société de Naturalistes et d`Agriculteurs: Avec des Figures Tirées des Trois Règnes de la Nature - Deterville Vol 24, Paris.

Desmarest, A. G. 1827. Zoologie - Mammalogie. In Dictionnaire des sciences naturelles, dans lequel on traite méthodiquement des différens êtres de la nature, considérés soit en eux-mêmes, d’après l’état actuel de nos connoissances, soit relativement à l’utilité qu’en peuvent retirer lamédecine, l’agriculture, le commerce et les artes, 357–519. Strasbourg et Paris: F. G. Levrault; Paris: Le Normant, 59:1–520. LINK
 
Erxleben, Johann Christian Polycarp. 1777. Systema regni animalis per classes, ordines, genera, species, varietates cum synonymia et historia animalium. Classis I, Mammalia. Lipsiae: Impensis Weygandianis, xlviii+636 pp.+64.

Geoffroy St.-Hilaire, E. 1803. Catalogue des mammifères du Muséum National d’Histoire Naturelle. Paris, 272 pp.

Griffith, E., C. Hamilton-Smith, and E. Pidgeon. 1827. A classe Mammalia organizada pelo Barão Cuvier, com descrições específicas. In The Animal Kingdom arranged in conformity with its organization, by the Baron Cuvier,. . . com descrições adicionais de todas as espécies até então nomeadas, e de muitas nunca antes notadas, por Edward Griffith. . . e outros. London: Geo. B. Whittaker, 3:1–468.  LINK
 
Illiger, J. K. W. 1811. Prodromus systematis mammalium et avium additis terminis zoographicis utriusque classis, eorumque versione germanica. Sumptibus C. Salfeld, Berolini [Berlin]: [I]-XVIII, [1]-301, Errata et Omissa. LINK
 
Illiger, J. K. W. 1815. Ueberblick der Säugethiere nach ihrer Vertheilung über die Welheile. Abhandlungen der physikalischen Klasse der Königlich-Preussischen Akademie der Wissenschaften, 1804–1811, 39–159. LINK
 
Linnaeus, Carolus (1758). Systema naturae per regna tria naturae: secundum classes, ordines, genera, species, cum characteribus, differentiis, synonymis, locis.

Olfers, I. 1818 - Bemerkungen zu Illiger´s Ueberblick der Säugthiere, nach Ihrer Vertheilung über die Welttheile, Rücksichtlich der Südamerikanischen Arten p192-237 in Bertuch FI Neue Bibliothek der Wichtigsten Reisebeschreibungen zue Erweiterung der Erd - und Völkerkunde; in Verbindung mit Einigen Anderen Gelehrten Gesammelt und Herausgegeben - Verlage des Landes-Industrie-Comptoirs, Weimar.

Pallas, Peter Simon. 1784. Didelphis brachyvra, descripta. - Acta Academiae Scientiarum Imperialis Petropolitanae 1780 (2): 235-247, Tab. V.

Thomas, O. 1888a. Diagnoses of four new species of Didelphys. Ann. Mag. Nat. Hist., 6(12): 158-159.

Thomas, O. 1888b. Catalogue of the Marsupialia and Monotremata in the collection of the British Museum.
(Natural History). London, Taylor and Francis. i-xiii,401p.
 

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